Análise completa dos novos direitos e deveres dos passageiros no transporte aéreo: o bom, o ruim e o feio. Sobre o fim da obrigatoriedade da franquia grátis de bagagem e assuntos correlatos.
Conforme noticiamos há alguns dias, a ANAC aprovou nova regulação da aviação comercial, que, dentre outras novidades, aboliu a obrigatoriedade de as empresas aéreas fornecerem franquia grátis de bagagem tanto para voos domésticos quanto para voos internacionais.
Segue a notícia da Agência Brasil:
A partir de março do ano que vem, as companhias aéreas não terão mais que oferecer obrigatoriamente uma franquia de bagagens aos passageiros. Isso significa que os viajantes vão poder escolher, na hora de comprar a passagem, se vão despachar ou não as bagagens. Para quem optar pelo serviço, poderá haver cobrança pelo volume despachado. A medida valerá para passagens compradas a partir de 14 de março de 2017.
Atualmente, a franquia de bagagens é de um volume de 23 quilos nos voos domésticos e de dois volumes de 32 quilos nos internacionais.
As novas regras para o transporte aéreo de passageiros estão em consulta pública desde março e deverão ser aprovadas pela diretoria da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) amanhã (13). Para a agência, a liberalização das franquias vai trazer benefícios aos passageiros.
“A Anac não vai mais dizer que o passageiro vai ter que pagar necessariamente por uma peça de 23 quilos. Pode ser 23 quilos, 10 quilos, 15 quilos. O que não faz sentido é a Anac continuar estipulando que as empresas são obrigadas a seguir esse modelo no mercado doméstico e também internacional”, disse hoje (12) o superintendente de Acompanhamento de Serviços Aéreos da Anac, Ricardo Catanant, em entrevista transmitida pelo Facebook.
Segundo Catanant, os estudos da agência e o comportamento do mercado no resto do mundo demonstram que o fim da franquia beneficia os passageiro. “Acreditamos que isso deverá se refletir em melhores e mais diferenciados serviços”. Segundo ele, o impacto da mudança no valor das tarifas deve ser sentido pelos passageiros a partir da metade do ano que vem.
O secretário de Política Regulatória de Aviação Civil, Rogério Coimbra, disse que, no ano passado, 41 milhões de pessoas viajaram no Brasil sem levar bagagens, o que equivale a cerca de 35% do total de viajantes. “Imagina quantas pessoas deixaram de viajar por conta dessa impossibilidade de ter um bilhete mais barato.” Atualmente, além do Brasil, apenas Rússia, Venezuela, México e China têm a franquia de bagagem regulada pelo governo.
A Anac ainda não consegue estimar qual será a redução no preço das passagens com a mudança. “Mas temos convicção de que essa medida puxa o preço para baixo”, afirmou Coimbra. Segundo o secretário, sabendo com antecedência quanta bagagem deverá levar em cada voo, a companhia aérea poderá prever o espaço que será utilizado no porão da aeronave e usar o restante para o transporte de cargas”.
As novidades a serem implementadas a partir de março de 2017
Segue o texto publicado pela própria ANAC, que esclarece os principais pontos da reforma:
“A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) aprovou hoje, 13/12, a Resolução n° 400/2016, que define os novos direitos e deveres dos passageiros no transporte aéreo. O normativo que trata das Condições Gerais de Transporte Aéreo (CGTA) foi revisado e amplamente discutido com a sociedade, por meio de audiências e consultas públicas e recebeu cerca de 1,2 mil contribuições. Acesse aqui a página temática sobre o assunto.
A nova norma passará a valer para passagens compradas a partir de 14 de março de 2017. Para passagens aéreas adquiridas antes desta data, mesmo que o voo venha a acontecer depois da vigência do normativo, valerão as regras estabelecidas no Contrato de Transporte aceito pelo passageiro na data da compra do bilhete.
As novas regras aproximam o Brasil do que é praticado na maior parte do mundo e contribuem para ampliação do acesso ao transporte aéreo e diversificação de serviços oferecidos ao consumidor, gerando incentivos para maior concorrência e menores preços. Além disso, a aprovação da nova resolução vai atualizar as principais regras que regem o setor desde os anos 2000, antes mesmo da entrada da liberdade tarifária no País. Essa medida, juntamente com outras políticas de Governo, como retirar a restrição à participação do capital estrangeiro nas empresas aéreas e estimular a aviação regional, buscam fomentar ainda mais a concorrência no setor aéreo, preparando o ambiente para entrada de empresas de baixo custo (low cost) no país.
A nova resolução consolida os regulamentos afetos ao tema (redução em cerca de 180 artigos do estoque de normas), reúne informações sobre os documentos exigidos para embarque e traz inovações ao consumidor: direito de desistência da compra da passagem sem ônus em até 24h após a compra, redução do prazo de reembolso, aumento da franquia de bagagem de mão de 5kg (no máximo) para 10kg (no mínimo), correção gratuita do nome do passageiro no bilhete, garantia da passagem de volta no caso de cancelamento (no show) da ida (com aviso prévio, para voos domésticos), possibilidade de escolher franquias diferenciadas de bagagem, simplificação do processo de devolução ou indenização por extravio de bagagem, atendimento aos usuários do transporte aéreo, dentre outras.
Veja a seguir as principais mudanças”.
Antes do voo |
Informações sobre a oferta do voo |
A companhia deverá informar de forma resumida e destacada, antes da compra da passagem:
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Correção de nome na passagem aérea |
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Quebra contratual e multa por cancelamento |
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Direito de desistência da compra da passagem |
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Alteração programada pela transportadora |
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Franquia de bagagem |
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Durante o voo |
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Procedimento para declaração especial de valor de bagagem | |
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Vedação do cancelamento automático do trecho de retorno | |
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Compensação financeira em caso de negativa de embarque/preterição | |
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Assistência material em caso de atraso e cancelamento de voo (regra inalterada) | |
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Prazo para reembolso | |
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Depois do voo |
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Providências em caso de extravio, dano e violação de bagagem | |
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*DES = Direito Especial de Saque. 1 DES = R$ 4,57 (cotação de 12/12/2016 pelo Banco Central)
Análise dos principais pontos da nova regulação
O bom.
Dentre as novidades positivas, eu destaco o aumento da franquia de bagagem de mão, de 5kg para 10kg; a obrigatoriedade de um procedimento mais simplificado para correção do nome e sobrenome; a proibição da multa em valor superior ao da passagem aérea; e a vedação do cancelamento automático do trecho de retorno.
Sob o aspecto prático, a mudança positiva mais importante é o aumento da franquia da bagagem de mão, de 5kg para 10kg, certamente para compensar a mudança feia dessa nova regulação.
Mas vejam que coisa interessante. O art. 14 da Resolução 400/2016, que trata dessa novidade, diz o seguinte:
Art. 14. O transportador deverá permitir uma franquia mínima de 10 ( dez ) quilos de bagagem de mão por passageiro de acordo com as dimensões e a quantidade de peças definidas no contrato de transporte.
§ 1º Considera-se bagagem de mão aquela transportada na cabine, sob a responsabilidade do passageiro.
§ 2º O transportador poderá restringir o peso e o conteúdo da bagagem de mão por motivo de segurança ou de capacidade da aeronave.
Observem que os 10kg serão a franquia mínima, e não a máxima. Ou seja, cada empresa aérea poderá estipular um peso máximo superior aos 10kg.
Outra coisa interessante diz respeito à quantidade de volumes de bagagem de mão, que a ANAC deixou a cargo das empresas aéreas regulamentar.
Nos EUA, normalmente é permitida uma bagagem de mão com medidas de largura x comprimento x altura pré-definidos (sem limite de peso) E MAIS um item pessoal (bolsa, mochila, pasta etc.), desde que de dimensões reduzidas (ou seja, que caibam embaixo da poltrona do assento à sua frente), totalizando, portanto, dois volumes.
É razoável, portanto, que as empresas aéreas brasileiras, na hora de regularem a bagagem de mão, permitam também que os passageiros levem dois volumes consigo para a cabine: uma que caiba no compartimento de bagagens (bin), sujeito a restrições de peso e de tamanho que as cias. aéreas definirem, e outro que caiba embaixo da poltrona à sua frente.
O ruim.
O direito de desistência de compra da passagem aérea parece estar em contradição com o Código de Defesa do Consumidor.
O direito de desistência está previsto no art. 11 da Resolução:
Art. 11. O usuário poderá desistir da passagem aérea adquirida, sem qualquer ônus, desde que o faça no prazo de até 24 (vinte e quatro) horas, a contar do recebimento do seu comprovante.
Parágrafo único. A regra descrita no caput deste artigo somente se aplica às compras feitas com antecedência igual ou superior a 7 ( sete ) dias em relação à data de embarque.
Já o direito de arrependimento previsto no CDC prevê o prazo de 7 dias para o reembolso integral sem qualquer ônus.
Para mim, isso evidencia clara ilegalidade da resolução, que não pode restringir direito previsto em normal legal superior, que é o CDC (Lei Federal), ainda mais em se tratando de norma protetiva do direito do consumidor.
O feio.
É claro, o feio fica reservado para o fim da obrigatoriedade da gratuidade da franquia de bagagem, que implicará em maiores custos justamente para a maioria das famílias que usam o transporte aéreo para viagens de lazer e sobretudo de férias.
Agora, resta saber como se dará a cobrança, e de que forma os passageiros com status elite e com cartões co-branded serão beneficiados.
Nos EUA, as cias. aéreas costumam cobrar USD 25 por cada volume despachado.
No Brasil, eu imagino que a cobrança por mala despachada terá um valor dentro do intervalo de R$ 75 a R$ 150. Quanto ao limite de peso, creio que será mantido o limite atual de 23kg. Isso para voos domésticos.
Para voos internacionais, o valor pode ser ainda maior, o que encarecerá o custo total da viagem. Não basta apenas saber o valor da tarifa aérea: é preciso saber também o valor das taxas de embarque, e também – agora – os valores cobrados para bagagens despachadas.
Eu chuto que os valores podem ser cobrados em dólares, no caso de voos internacionais, com conversão para reais no dia da compra da franquia de bagagem.
Quanto aos passageiros com status elite, penso que passageiros com status elite de nível intermediário (por exemplo, One World Safira ou Smiles Ouro) terão gratuidade de uma peça de até 23 kg, e passageiros com status elite máximo (por exemplo, One World Esmeralda ou Smiles Diamante), duas peças de 23 kg cada, ou 10k ou 15kg extras. Ou seja, não mudaria muita coisa.
Passageiros com cartões de crédito co-branded também tendem a ter benefícios de franquia grátis. Eu chuto que o Smiles Master Gold oferecerá uma franquia de 10kg a 15kg, e o Smiles Master Platinum uma mala grátis de 18kg a 23 kg.
Conclusão
Analisando a Resolução no seu conjunto, o balanço geral é negativo.
A Resolução pode até ser benéfica para o consumidor em alguns poucos pontos, mas, nos pontos que mais interessam no aspecto prático das mudanças, quem tem mais a comemorar são as empresas aéreas.
Redução no preço das passagens com o fim da obrigatoriedade da franquia grátis de bagagem despachada? Ela pode até ser plausível em mercados onde exista uma predominância de voos realizados por motivos de trabalho, e em rotas curtas, como a ponte aérea Rio-SP, em que as pessoas normalmente já viajam só com a bagagem de mão.
Porém, nas rotas mais utilizadas para lazer, como os deslocamentos Sul/Sudeste para Norte/Nordeste, em que há uma predominância de passageiros constituídos por famílias que viajam a lazer e que, portanto, despacham bagagens, e em cujas rotas o consumo de combustível pelas aeronaves é maior (o que demanda, por tabela, maiores gastos nos custos do transporte pelas cias. aéreas), eu duvido que a diminuição do preço das passagens ocorra como regra (pode ocorrer como exceção, em promoções pontuais, mas não como regra).
Além disso, a Resolução mal foi publicada e já precisa urgentemente ser modificada, para se adequar ao CDC, no que tange ao direito de arrependimento, já que estipulou um prazo menor do que aquele previsto no CDC.
De qualquer forma, as novas regras só entrarão em vigor para passagens compradas a partir de 14 de março de 2017. Ou seja, passagens compradas, digamos, em 13 de março de 2017, para viagens em 2 de fevereiro de 2018, terão assegurados os direitos e deveres atuais, inclusive no que tange à franquia gratuita de bagagens.
Portanto, a dica que eu dou, sob o ângulo das milhas e pontos, é essa: tentem comprar as passagens aéreas com milhas e pontos antes dessa data, para assegurarem as franquias grátis atualmente em vigor.
Vamos ver como se dará a implementação dos custos das bagagens despachadas pelas empresas aéreas, que é a principal novidade dessa reforma. Estaremos atentos.